segunda-feira, 16 de abril de 2012

COLUNA EM REVISTA: Mulheres Apaixonadas e Apaixonantes


Várias personagens galvanizam a atenção do público em Mulheres Apaixonadas. Uma das principais é Raquel (Helena Ranaldi), que tenta se livrar de Marcos (Dan Stulbach), o marido que a surra. Nos próximos capítulos, Marcos deve criar um escândalo alegando que ela seduziu o adolescente Fred (Pedro Furtado). Raquel vai procurar a ajuda de um Centro de Apoio à Mulher e denunciar o marido.
"Há quem diga que as novelas influenciam o comportamento das pessoas, e há quem diga que isso é balela. É uma velha discussão, que não tem data para acabar. O que se sabe com certeza, e até já foi comprovado por pesquisas universitárias, é que o produto cultural mais popular do país tem um poder impressionante para pautar debates sobre questões políticas e da intimidade do brasileiro. Nem todas buscam esse efeito, é claro. Há novelas de enorme sucesso que se contentam em divertir o espectador e brincar com suas fantasias, sem tocar em preocupações que fazem parte do cotidiano. Mas nesses casos a novela jamais será do autor Manoel Carlos. Realista obstinado, ele não abre mão de construir seus enredos com base em assuntos polêmicos, que fornecem material infindável para bate-papos no cafezinho do escritório ou à mesa de jantar. Seu trabalho atual, Mulheres Apaixonadas,sucesso no horário das 8 da Rede Globo, é uma prova reiterada disso. Há cinco meses no ar, a novela já pôs na ordem do dia discussões sobre agressão contra mulheres, comportamento obsessivo no amor, preconceito contra os velhos, alcoolismo e lesbianismo, entre outras. É uma receita interessante e eficaz. Quanto mais os temas desafiadores se multiplicam, mais a audiência aumenta. Na semana passada, Mulheres Apaixonadas atingiu a excelente média de 50 pontos de ibope na Grande São Paulo. Como já houve picos de audiência de 58 pontos, alguns especialistas consideram que, nesse ritmo, a novela pode chegar ao final, em setembro, com média próxima dos 60. O ibope de Mulheres Apaixonadas já é maior do que aquele que O Clone, último sucesso estrondoso da Globo no horário das 8, havia atingido com o mesmo número de capítulos exibidos. Nacionalmente, estima-se que 35 milhões de pessoas venham sintonizando a novela todos os dias.

A cena em que Heloísa (Giulia Gam) feriu Sérgio (Marcello Antony) com uma faca foi o maior pico de audiência da novela até agora. Uma nova crise de ciúme da personagem está prevista para breve, quando ela souber que Sérgio presenteou a rica Vidinha (Julia Almeida) com um livro. Vidinha talvez venha a ter, de fato, um romance com o galã
Mulheres Apaixonadas também é um êxito extraordinário do ponto de vista comercial. Já estabeleceu um recorde na emissora, com duas inserções de merchandising por capítulo – aquelas situações em que um personagem utiliza ou elogia um certo produto quase sempre sem nenhuma sutileza. O preço do merchandising é mais alto que o da exibição de um comercial de trinta segundos no horário nobre, mas há compensações para o anunciante: não é preciso gastar outra fortuna na produção de uma propaganda e a probabilidade de o espectador estar atento ao que acontece na televisão durante o merchandising é muito maior do que no intervalo, momento da tradicional corridinha até o banheiro. Cada inserção de merchandising em Mulheres Apaixonadas custa atualmente 453 000 reais (412 000 ficam com a emissora e o restante é dividido pelos profissionais que trabalharam na cena). Um comercial de trinta segundos na faixa de horário da novela custa 193 380 reais.

No núcleo jovem da história, Cláudio (Erik Marmo) e Gracinha (Carol Castro) já protagonizaram uma tórrida cena de sexo. Depois disso, a moça, filha da empregada da família de Cláudio, anunciou que está grávida. Os desfechos mais prováveis para essa situação são a perda do bebê ou a confissão de que ela mentiu. Cláudio deve terminar a novela com Edwiges (Carolina Dieckmann), já que o casal formado pelos dois é o mais popular da trama.

O realismo de Manoel Carlos tem balizas definidas. Sua mira não está voltada para grandes questões sociais, como miséria, violência urbana ou corrupção. Elas podem até aparecer nas conversas entre os personagens, calcadas às vezes em manchetes de jornal, mas não costumam servir de motor para a trama – uma das raras exceções a essa regra ocorrerá brevemente, num capítulo em que Fernanda (Vanessa Gerbelli) vai morrer na rua, vítima de uma bala perdida. A inclinação de Manoel Carlos é muito mais pelo que se poderia chamar de realismo familiar ou doméstico – e aí ele percorre todos os cômodos da casa, do quarto de dormir à área de serviço. As famílias enfocadas são de classe média ou de classe média alta e circulam por um ambiente que o autor conhece bem, porque é lá mesmo que vive: a Zona Sul do Rio de Janeiro. Não se pode dizer que personagens saídos dessa classe social e, mais ainda, desse microcosmo carioca representem o grosso da população brasileira, mas há óbvias vantagens novelísticas em lidar com eles. Situações que perturbariam muitos espectadores se ocorressem na casa de seu vizinho são encaradas com a maior naturalidade porque acontecem naquele ambiente liberal retratado por Manoel Carlos. Mulheres Apaixonadas, por exemplo, conseguiu uma proeza: pela primeira vez, um caso de relacionamento lésbico é retratado numa novela sem causar rejeição do público. Na última ocasião em que algo do gênero foi tentado, em Torre de Babel (1998), as lésbicas tiveram de ser arrancadas da trama às pressas na explosão de um shopping center. Uma das chaves para a aceitação do romance entre Clara (Aline Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli) é que, além de dar-se entre adolescentes – há uma certa tolerância social para com os dilemas enfrentados por pessoas nessa faixa etária –, ele acontece numa escola ultraprogressista, onde ninguém as rejeita nem recrimina. A única exceção é Paulinha (Ana Roberta Gualda), uma personagem cuja marca é o ressentimento dirigido contra tudo e todos. Além de abordar com naturalidade certos temas espinhosos, os personagens de Manoel Carlos discutem uns com os outros cada drama vivido ou cada tabu enfrentado. Os amigos professores da alcoólatra Santana (Vera Holtz) a estimulam a buscar tratamento com especialistas, e quem sabe do drama de Raquel (Helena Ranaldi), espancada pelo marido, a aconselha sem pestanejar a denunciá-lo numa delegacia de mulheres. "Manoel Carlos consegue abordar no horário nobre coisas que só costumam ser discutidas em consultórios de especialistas, na Justiça ou em programas policiais", diz Teresa de Góes Negreiros, professora do departamento de psicologia da PUC-Rio.

O casal Expedito (Rafael Calomeni) e Lorena (Suzana Vieira) tem uma enorme diferença de idade. Depois de um período de grande felicidade, os dois provavelmente passarão por uma crise. Expedito, que começou a fazer sucesso na profissão de modelo, poderá envolver-se com uma mulher tão jovem quanto ele. A despachada Lorena não vai deixar barato e fará de tudo para reconquistá-lo.
A professora Santana (Vera Holtz) enfrenta grandes dificuldades para se livrar do vício da bebida. Ela não consegue mais trabalhar e chegou ao fundo do poço. Mas sua história caminha para um final feliz: Santana vai criar coragem para tratar-se com especialistas e conquistará o amor de seu colega Lobato (Roberto Frota)
Os personagens de Manoel Carlos – 105 nesta novela – nunca são daquele gênero absurdo e estereotipado tão comum em folhetins. Até os malucos agem segundo uma lógica. Quando um deles tem um problema esquisito, como Heloísa (Giulia Gam), atormentada por uma síndrome amorosa que já a fez esfaquear o marido e arrebentar-se num acidente de carro, o autor se esmera para não errar nos detalhes. Para escrever Mulheres Apaixonadas, Manoel Carlos conta com a assessoria de duas pesquisadoras, Leandra Pires e Juliana Peres, que além de assistirem a aulas de colégio, para registrar o comportamento juvenil, têm visitado vários tipos de centro de apoio psicológico para conferir se aquilo que vai ao ar bate com a realidade. Os atores também são estimulados a fazer esse tipo de pesquisa de campo. Os casos tratados no grupo Mada (sigla para Mulheres que Amam Demais Anônimas) ajudam a dar substância às histórias de Heloísa. Para compor Raquel, Helena Ranaldi já foi visitar o Ciam (Centro Integrado de Atendimento à Mulher) e participou de uma sessão incorporando sua personagem. Até para o ator Dan Stulbach, que interpreta Marcos, o marido brutamontes de Raquel, foi encontrada uma boa fonte de informações: o Instituto Noos, onde se reúnem maridos que surram as mulheres e depois se arrependem (pois é, isso existe). Contudo, segundo a psicóloga Cecília Teixeira Soares, diretora do Ciam, Marcos é um personagem forte, mas um pouco caricato. "A Raquel está perfeita com aquelas hesitações todas. Muitas mulheres que apanham não querem deixar o marido porque vêem que ele tem um lado bom. Mas o Marcos não tem esse lado. Ele é sádico demais", diz ela.
Para pôr de pé todas as cenas da novela, Manoel Carlos tem trabalhado doze horas por dia num bagunçado escritório doméstico. Mas ele trabalha de portas abertas, aceitando de bom grado as interrupções da família. O autor está em seu terceiro casamento – sua mulher chama-se Elisabety e é vinte anos mais nova do que ele. Também moram com Manoel Carlos o filho Pedro, de 11 anos, e a filha Julia Almeida, atriz de 20 anos que interpreta Vidinha em Mulheres Apaixonadas. O endereço é uma cobertura de 300 metros quadrados no Leblon, luxuosa, mas sem ostentação. Não há obras de arte valiosas nem tapetes raros na casa. O autor coleciona bengalas antigas e livros. Em todos os cômodos, as paredes são recobertas de obras de ficção, de poesia, de fotografia e história. Quase todos os ambientes são também perfumados por velas aromáticas. No segundo andar, há uma sala com um telão, onde Manoel Carlos assiste à novela todos os dias, acompanhando as variações do ibope num aparelhinho. 
 No começo de Mulheres Apaixonadas, parecia que ganharia destaque a velha técnica de manter o suspense na base do "quem vai ficar com quem?". Esse elemento ainda existe, mas tornou-se bastante secundário na trama. Manoel Carlos optou por uma outra maneira de contar a história. Ou talvez fosse melhor falar em histórias. Desde Felicidade, que foi ao ar em 1991, Manoel Carlos prefere dar o mesmo peso a várias tramas paralelas em vez de privilegiar um único enredo. "É um jeito de evitar aqueles períodos cheios de flashbacks dos protagonistas, em que a história começa a chover no molhado e nada de novo acontece", diz ele. Em Mulheres Apaixonadas, a técnica das muitas histórias paralelas chegou às últimas conseqüências. A cada uma ou duas semanas uma das histórias chega ao seu clímax. Cada vez que isso acontece, há um pico de audiência. O maior deles ocorreu em 9 de junho, quando Heloísa atacou Sérgio (Marcello Antony) com uma faca. O Ibope registrou 58 pontos quando a cena foi ao ar. Depois de um desses clímax, o personagem pode ser deixado de lado por algum tempo, enquanto outras peripécias acontecem. Manoel Carlos ainda tem algumas cartas para tirar da manga. O romance entre a esfuziante socialite Estela (Lavínia Vlasak) e o padre Pedro (Nicola Siri) andou em banho-maria. O autor pretende retomá-lo e tudo indica que o sacerdote vai largar a batina e sair atrás da saia. Outro tema que deve ser abordado é o câncer de mama. Manoel Carlos ainda não sabe quem vai ser a personagem atingida, mas quer tocar no problema para dar uma mãozinha às campanhas de prevenção da doença. Se depender do autor, não faltará assunto aos brasileiros nos próximos meses."
Egoísta e arrogante, a jovem Doris (Regiane Alves) maltratou tanto seus avós que acabou recebendo uma surra de seu pai. Carlão (Marcos Caruso). A personagem saiu um pouco do centro das atenções. Quem deve ganhar espaço é seu irmão, Carlinhos (Daniel Zettel), que vai para a cama com a empregada Zilda (Roberta Rodrigues).
Confira o ibope de Mulheres Apaixonadas até a publicação da edição da VEJA:

Fonte: VEJA. Ed. 1810. 9 de julho de 2003.

Espero que gostem.
ME



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