terça-feira, 1 de maio de 2012

Entrevista: Bete Coelho (18/10/2004)

"Elisabete Mendes Coelho, a Bete Coelho, é musa quando encena. No teatro, não se vende para subir ao palco, precisa atestar o apuro artístico da obra. Atualmente, a atriz de 42 anos atua em Seus Olhos, novela do SBT. Mas é outro papel que a empolga: o de mãe. Mineira, caçula de três filhos, vive há dois anos com o músico Renato Goda, 33 anos, pai de Gabriel, 10, que mora com eles. A cozinha de sua casa virou multiuso. É de onde sai o almoço de Gabriel e ela lê textos enquanto pica alho. A fase família é pura diversão. “Meu marido tem um cabelo à la Eduardo Mãos de Tesoura e também gosta de vestir preto. Quando saímos, parecemos a família Adams”, brinca Bete.

Com teatro, consegue juntar dinheiro, fazer planos?
Não. É triste viver, trabalhar para pagar contas. Outro dia me ligaram da Embratel cobrando uma conta de 2001. Falei: “Manda me prender. Não vou pagar”. Uma peça sucesso de bilheteria dá muito dinheiro. Ney Latorraca ficou rico com Irma Vap. Nessa situação, dá para tirar R$ 30 mil, R$ 40 mil por mês. Na última peça que fiz, FrankensteinS‚ (em 2003) tirava de R$ 8 mil a R$ 10 mil por mês. Sabe quanto ganhei com o Um Número (dirigida por ela e que saiu de cartaz em setembro)? R$ 2 mil no total!

Por isso recorre à tevê?
Não posso viver de teatro, faço por amor. Faz 30 anos que vivo assim e é dureza. Estou louca para voltar ao teatro. Tenho projetos, mas não consegui dinheiro. A política cultural está morta! O Gabriel Villela montou uma ópera no Municipal e tem costureira ligando para ele! Em teatro, não abro mão, não me vendo, só faço o que acho que vale. Estou no SBT ganhando meu dinheiro para tocar meus projetos em teatro.

Se tivesse muito dinheiro, faria novela do SBT?
Faria. Talvez estivesse fazendo as duas coisas: teatro e a novela. O meu problema é que não desisti. Continuo acreditando que é possível criar no SBT um núcleo de teledramaturgia que seja crível, menos mexicano, mas nem por isso menos popular. Não quero elitizar. Novela é para ser vista no dia seguinte, não é para ser obra literária.

Já conversou com o Silvio Santos?
Tenho memória péssima para nomes e fisionomia. Às vezes, não sei quem são as pessoas. Mas o Silvio Santos é da formação brasileira, a voz dele está no nosso inconsciente. Escuto a voz do Silvio desde que me conheço por gente. Meu pai via muito o Silvio, eu via os calouros, jurados, quando era pequena. Eu já o encontrei algumas vezes e falei um pouco sobre televisão e novela. Recentemente, ele estava no ar e me ligou para saber minhas opiniões para a Casa dos Artistas Apresenta Protagonistas de Novela. Tenho muitas coisas para falar a ele, se ele quiser me ligar.

Como gosta de levar a vida quando atua em tevê?
Sou caseira. Adoro perder tempo na estante com livros, lendo e inventando projetos. Não tenho amor por computador. Faz sete meses que não abro e-mail. Não gosto muito de telefone. Estou bem resolvida com minha exposição no teatro e na tevê. Fora isso, gosto de me esconder, ficar em silêncio.

O filho mudou sua rotina?
Gabriel enlouqueceu minha vida de uma forma maravilhosa. Nunca tive criança em casa. Ele é parte essencial, meu filho, apesar de não ser a mãe biológica dele. Sempre fui notívaga. Hoje, preciso da manhã com ele. Você precisa cuidar de uma criança, da alimentação, da lição de casa, do esporte. Gabriel adora música, faz aula de teatro, ama futebol. No sítio, jogo futebol. Tive um distensão na virilha jogando com ele.

Tem vontade de gerar um filho?
Não. Dá uma preguiça cultivar barriga! (risos). Já pensei algumas vezes, se não iria me arrepender. Essa coisa de mãe e filho nunca achei que fosse possível. Hoje, tá aí meu filho. Nasceu. O fantasma da maternidade tá resolvido. Muita bacana, mesmo, ter filho. Como me disse o (ator e diretor) Marcos Caruso, a qualidade das coisas boas supera a quantidade de problemas. Filho é isso. Milhões de problemas – médico, comida, escola, entretenimento, escovar os dentes – são superados pelo primeiro dia que busquei na escola, o dia das mães na escola, o presente, o primeiro eu te amo, o machucado, são momentos insubstituíveis.

Como é o Gabriel?
Carinhoso, apaixonante, arrebenta! Se te mostrar cartas, bilhetes dele, vai ver que nada é mais importante. A nossa relação não tem mentirinhas, não finjo que sou mãe e ele, filho. Renato me ensinou como lidar com uma criança. Foi penoso mudar meu esquema de vida, de casa. Não tem como não ter um almoço todos os dias ao meio-dia! Sou mãe-coruja, quem diria? Isso é o bom de viver. Às vezes, olho para trás e falo: “Que bom que fiz isso e aquilo”. Fez com que eu chegasse aqui.

Você se auto-analisa?
Sim. Observar-se é matéria-prima para o ator. Passei minha infância na frente do espelho, todas minhas brincadeiras. Falei muito tempo sozinha na minha vida. O que gerou? Tenho consciência de como as pessoas podem estar me vendo. Meus pais trabalhavam, meus irmãos estudavam, família pobre, material e culturalmente. Tive sorte que meus pais foram trabalhar no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Então, quando descobri o livro, foi a salvação. Me tirou de uma casinha pobre e me levou para o mundo.

Teve poucas amigas?
Minha mãe não gostava de fazer amizades. Eu ficava trancada dentro de casa, não recebia amigos, não teve essa coisa de rua, subir em árvore. Na infância, fui morar na terra do meu pai, no norte de Minas, em Espinosa. A minha memória afetiva está lá. Cheiros, mato, terra. Ficava andando sozinha pela terra, brincando no meio do mato. Ao mesmo tempo, estar ali foi um pouco angustiante.

Por quê?
Minha mãe queria ficar na capital preocupada com a nossa educação. Aí, ocorreu uma enchente e Espinosa foi inundada. Nossa casa ficava num lugar alto e as pessoas, que estavam perdendo tudo, levavam coisas para lá. Minha mãe adorou (a enchente) porque foi um pretexto para sairmos de lá. Um tio foi com um teco-teco resgatar a gente. Lembro exatamente desse aviãozinho subindo e meu pai ficando pequenininho, pequenininho, pequenininho. Ele ficou lá resolvendo as coisas. Uma tristeza, morri de pena dele.

Elogiavam sua beleza?
Nunca me achei bonita e não me acho. Mineiro não faz elogio direto. Você só descobre anos depois que alguém te achou lindo. Talvez fosse bonita demais e eles me achassem convencida. Todo mundo
que quis namorar, acabei namorando. Dei muita sorte, mas já fui rejeitada, levei pé na bunda. Sexualmente falando, não sou assediada. Ninguém me canta. Cantadas são bem-vindas! (risos) Se sou bonita? Vou responder mineiramente: feia eu não sou! Nunca tive homens de padrão de beleza. Não passa pela minha cabeça olhar e falar: “Nossa, que corpo, que cabelo”.

Não admira a beleza?
Acho bonito ver, mas é desgastante. Não suporto gente feia. O que é isso? É gente mal-amada, asquerosa, invejosa, cínica, fofoqueira, de meias palavras. Pode prestar atenção: esse tipo de pessoa se torna feia. Por que Sartre tinha qualquer mulher aos pés? Por que Woody Allen (risos)... até a filha! São homens feios. Namorei o Gerald Thomas, que é feio, dentro dos padrões. Mas é charmoso, inquieto, inteligente, reinventa a cada dia o cotidiano. Isso faz você querer estar ao lado.

Como mantém a silhueta?
Esqueço a idade que tenho. Aqui não tem nenhum botox, faca, ainda. Mas acho sensacionais essas invenções. Por enquanto, nem creme uso ainda. Esse ano, ganhei uma ruga, cabelo branco. Normal, né? Mas amo comer. Legumes, folhas, vida chata! Adoro cozinhar, feijoada, tutu à mineira, carne assada, cuscuz marroquino com legumes. Às vezes passo o dia na cozinha. Fico ali pensando, escrevendo, bebendo, cortando o alho. Desde criança fui criticada por ser péssima cozinheira. Meu pai dizia que eu parecia um homem na cozinha. Batalhei muito por esse lugar ao sol. Hoje, estou mais gorda do que o normal, mas sei que emagreço. Então, não me preocupo.

Por que não faz cinema?
(Em tom irônico) Estou esperando um convite do Lars von Trier (diretor, entre outros, de Dogville, com Nicole Kidman). Da nova geração do cinema brasileiro, gosto do Beto Brant. Mas eu não recebo convites."

Fonte: Revista ISTOÉ, 18/10/2004.

Espero que gostem.
ME

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