domingo, 2 de setembro de 2012

COLUNA EM REVISTA: Eutanásia coletiva

Cristiana e Barbosa: de volta ao passado.
"Ao lavar a superprodução Amazônia num banho de sangue, a TV Manchete protagonizou, na semana passada, a maior faxina da história da telenovela brasileira. Nada menos do que vinte personagens pertencentes à parte da trama que se desenrolava no ano de 2010 foram executados à bala durante uma providencial revolta na mata que se encarregou de colocar um ponto final em metade da história. Poupados, os protagonistas Cristiana Oliveira e Marcos Palmeira foram despachados, por obra e graça de um índio mandingueiro, para o ano de 1899, em que se desenrolava a outra parte da trama. Depois de tantas mortes, só restava à novela começar de novo, com o nome de Amazônia - Parte II. A floresta original foi substituída em um matagal em Xerém, a 40 quilômetros de Rio de Janeiro. Para o alívio dos atores - assustados com a selva e cansados de levar picada de mosquito - e dos técnicos, às voltas com a luz insuficiente nas cenas gravadas na mata virgem.
A Manchete recorreu à eutanásia coletiva para livrar-se do fracasso também amazônico e, numa atitude inédita, chegou a anunciar às mudanças no último capítulo da fase 1. Afundada numa dívida de 50 milhões de dólares, e sempre envolta em controvertidas negociações para a sua venda, a emissora torrou 14 milhões de dólares nos 38 capítulos da primeira fase da história, uma vez e meia o custo-padrão de uma novela da Globo. Esperava-se uma audiência de pelo menos 10 pontos. O ibope empacou na casa dos 3, levando o dono da emissora, Adolpho Bloch, ao desespero. Ele próprio deu um basta no que estava sendo feito e, no melhor estilo das mães judias que querem arrancar um favor de seus filhos, recorreu à diretora de cinema Tizuka Yamasaki, responsável pela bem-sucedida Kananga do Japão, com um argumento que beirava a chantagem. "Pelo amor de Deus, assuma essa novela. Se você não fizer isso, eu vou morrer em menos de um mês", assegurou o empresário. "Aceitei porque acho que o desafio vale a pena. Os erros eram muito evidentes, mas tinham conserto", acredita Tizuka.

Eunuco Prendado -- A solução encontrada foi exterminar o futuro e enxugar o orçamento. Pelo menos até março, o elenco segue gravando na cidade cenográfica de Pedra de Guaratiba, na Zona Oeste de Rio, onde se reconstituiu Manaus com esmero. Ali, em 20.000 metros quadrados de área construída, a Manchete enterrou 8 milhões de dólares. As cenas da Floresta Amazônica tiveram que se contentar com Xerém. Um retorno à Amazônia só deve acontecer se a novela emplacar. Apesar da matança, nenhum ator perdeu o emprego. Todos foram remanejados, com novos papeis, para a época dos tataravós.
Cristiana Oliveira, que em 2010, vivia Mila, uma videomaker ecológica, converteu-se em dublê de cortesã e bailarina Camille. Recém-chegada de Paris, e apesar do calor da Manaus de Pedra de Guaratiba, ela aparece sempre de vestido preto, véu preto e dorme de camisola preta. Em suas andanças pela cidade, é acompanhada pelo prendado eunuco Gandô (Paulo Barbosa). Na trama de 2010, Barbosa interpretava um capataz, despachado para o passado após ter sido morto, com um tiro na testa, por um gangue de punks japoneses.
Como Napoleão Bonaparte, cujo exército capitulou diante do frio da Rússia, a Manchete tombou ante as dificuldades da mata. Nada dava certo. Os cenários eram montados aproveitando a cheia do Rio Negro. Devido ao atraso rotineiro, na hora em que os atores iam gravar o rio tinha baixado, transformando-se num lamaçal. "



 Fonte: Revista VEJA. Ed. 1221. 12 de fevereiro de 1992. p. 74-75.

Espero que gostem.
ME

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Escreva aqui, incluindo o seu nome, lugar onde mora e o seu comentário.