domingo, 19 de janeiro de 2014

Fernanda Montenegro e João Miguel, que protagonizam séries na Globo, revelam admiração mútua



RIO - De calça azul, blusa estampada, tênis e colar indígena, João Miguel pergunta para a repórter:

— Está muito exagerado?

Ao ouvir uma resposta negativa, ele logo se explica:

— É que recebi ontem de presente esse colar de um cineasta xinguano com quem vou trabalhar. Hoje, por ter esse encontro, achei de valor trazer uma peça de valor no meu corpo. Porque mais valiosa que Dona Fernanda é impossível, né?

Ao encontrar a atriz, minutos depois, João lhe dá um longo abraço. E os dois caminham de mãos dadas até o local das fotos.

— Dona Fernanda é ótimo. Vou chamar você de Seu Miguel, então, pode ser? — brinca ela.

Embora separados por 40 anos e unidos em cena apenas uma vez — na microssérie “Pastores da noite", na Globo, em 2002 — João e Fernanda comemoram o fato de serem “atores do mesmo tempo”. O que ocasionou várias coincidências. Em 2010, ganharam o prêmio Shell de Teatro em categorias semelhantes: ele, como melhor ator, ela, melhor atriz. Agora, em 2014, protagonizam séries da Globo que estreiam na mesma semana: em “A teia”, no dia 28, João é o policial federal Jorge Macedo. Já em “Doce de mãe”, a partir do dia 30, Fernanda volta a reviver a inventiva Dona Picucha, papel que lhe rendeu um Emmy no fim do ano passado.

— Não sabemos como vamos nos encontrar, ou se será na TV, no teatro ou no cinema. Mas, agora, quis o destino que a gente estreasse duas séries, com linguagem de cinema, na mesma semana. Por isso estamos batendo esse papo e não trocando elogios. Mas reconhecimentos do que vemos um no outro — diz Fernanda. — Não estamos no fluxo tradicional, que são as novelas, estamos em séries, trazendo nossas bagagens com possibilidades de ampliar nosso campo de atuação.

Para a atriz, essa sinergia entre cinema e televisão é de muita “importância para a história do país”. Mais ainda, como no caso de “Doce de mãe”, a redescoberta da comédia de costumes, o gênero mais tradicional do teatro brasileiro. Para a atriz, a humanidade que caracteriza o conceito se diluiu com o passar dos anos, transformando-o puramente em algo cômico, “fortemente histriônico”.

— E o que minha série traz é esse humor humano. É o dia a dia, o entendimento da família, as pequenas falhas, as grandes ajudas dentro da mínima possibilidade econômica, o carinho que vem no meio de uma brincadeira. Não é apenas a anedota. Isso, por incrível que pareça, é extremamente novo na TV.

A forma com que Fernanda lida com a carreira ao longo dos 60 anos, as escolhas profissionais, sua simplicidade e figura real e acessível a tornam um dos ícones máximos do ofício, afirma João Miguel. A admiração dele pela atriz de 84 anos começou lá atrás, quando o baiano, hoje com 43, tinha 14. Ao vê-la na peça “Brincando em cima daquilo”, no teatro Castro Alves, em Salvador, ele conta que se encantou. Sentiu “um fogo que não sabia que existia”, essencial para que se decidisse de vez pela carreira artística.

— Sei que sou mais um, mas a considero uma referência fundamental no entendimento do compromisso com o ofício e da possibilidade de existir dentro dele, da maneira que ela existe, criando personagens com grandeza e dignidade. Pessoas assim são mestres vivos, e que bom que a gente pode tocá-los, beijá-los, admirá-los — suspira ele, que não para de beijar Fernanda no rosto durante a conversa.

A tal diferença de 40 anos tampouco importa, garante ele. Na opinião do ator, “Fernanda é jovem, mas vivida. Um exemplo de envelhecimento traduzido em maturidade”.

— E o que importa é isso. Que somos do mesmo tempo, estamos vivendo o mesmo momento. Estamos vendo as mudanças no país — comemora.

De “corpo presente”, como ela diz, e atenta às palavras de João, Fernanda faz mais do que devolver os elogios. Ela discorre sobre vocação, sobre o comprometimento do ator com seus trabalhos.

— No nosso ofício é tudo muito absurdo, não há lógica. Não temos uma profissão prioritária e, em princípio, seríamos dispensáveis. E se você só executa uma vocação, é pouco. Você tem que abraçar, se integrar. Seus braços têm que dominar o processo — ensina, sob o olhar fixo do ator.

E ele completa:

— É um voo num abismo que não tem fim — classifica.

Fernanda continua seu discurso. E, ao criticar, especificamente o trabalho de João, de forma profunda e detalhada, leva o ator às lágrimas. Sim, ele chora. E muito.

— Entrar em cena é um risco que não tem fim. E, gostem ou não, você vai para um plateia, faz esse vestibular diário. E muitas vezes imprime uma linguagem que está fora do código tradicional, acadêmico, que cria uma inquietação. Você tem isso, João, uma interiorização tão vertical, intensa e interna que a gente olha para você e fica catatônica. Meu Deus, você introjeta e implode. Não entra no histrionismo, tem uma objetividade sensível. João tem o privilégio de ser essencial — pontua.

Em “A teia”, o espectador poderá verificar se concorda com a opinião de Fernanda. Após estreitar os laços com a TV em “Cordel encantado”, sua primeira novela, em 2011, e se tornar conhecido do grande público como o Só Love, de “O canto da sereia” (2012), João experimenta a sensação de viver seu primeiro protagonista na tela.

— É um desafio. Estou fazendo com muito gás, muita paixão. E falando de aspectos fortes da realidade, como a questão da corrupção. Eu considero o Jorge um herói do dia a dia. E tem a ver com isso de poder trazer a experiência do cinema para a televisão — festeja o ator que participou de 22 longas nos últimos dez anos, entre eles, “Cinema, aspirinas e urubus" (2005) e “Estômago” (2007): — O que vem à cabeça é a possibilidade de tê-los feito, as pessoas que encontrei, os lugares que conheci.

— Isso é um recorde! — surpreende-se Fernanda, que completa. — Eu sou o resultado de 500 personagens que fiz durante esse tempo todo. São vidas com as quais você loucamente se envolve. De suar, de melar. A ponto de ficar desesperado. É uma estranha anomalia, como diz o grande pensador e diretor francês Louis Jouvet. Graças a Deus. Malucos,forever. Lúcidos e loucos (risos).

E, segundo João, o reconhecimento do público valida ainda mais o trabalho que eles fazem. O ator vibra quando descobre que influenciou na decisão de vida de alguém.

— Outro dia um cara veio me dizer que decidiu fazer um curso de gastronomia porque viu “Estômago”. Ele queria me agradecer. Isso é sensacional, porque você sabe que inspira — argumenta João.

Fernanda complementa:

— E como não faz para isso, você se surpreende. Se você é psicanalista, cirurgião, há um reconhecimento natural sobre essas profissões. No nosso campo, que é tão abstrato, jogado numa chave poética ou onírica, a gente fica tocado quando percebe que motivou alguém.

Um caso recente, a atriz relembra, foi na cerimônia de entrega do Emmy, em novembro. Ao cruzar com o presidente da premiação, Fernanda foi surpreendida com uma história.

— Ele, já um senhor, velhão mesmo, falou para mim: “Interessante a sua história (referindo-se a “Doce de mãe”), pois quando papai morreu, mamãe também ficou desamparada. Depois ela achou o seu caminho”. Achei interessante. Depois pensei: será que ganhei o prêmio por causa da mãe do homem? (risos).

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/fernanda-montenegro-joao-miguel-que-protagonizam-series-na-globo-revelam-admiracao-mutua-11344641#ixzz2qqUpSFXl


Espero que gostem.
ME

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